“Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.”
Para aproveitar mais a leitura (ou releitura) do canto, fique atento às questões centrais e aos temas transversais do texto.
O fazendeiro Major Saulo determina que seus homens levem uma grande quantidade de bois (460) para comercialização em uma cidade distante. Para cumprir a tarefa, convoca seus vaqueiros mais experientes, montados em cavalos jovens e fortes. Acompanha a condução o burrinho Sete-de-Ouros, velho e fraco, que foi lembrado exclusivamente porque estava perto da casa grande. Depois de uma chuva torrencial, um pequeno riacho, que foi facilmente superado na ida, torna-se rio caudaloso no retorno dos vaqueiros à fazenda.
O único animal a escapar da correnteza é justamente o burrinho (levando Badu bêbado agarrado à crina e Francolim à cauda), que conta com sua experiência para poupar suas forças e deixar-se levar pelas águas, no momento em que percebe que não a mais o que fazer, ao invés de tentar lutar contra elas, como fizeram os outros.
A história transcorre em um só dia, num janeiro chuvoso de um ano que acaba em seis, considerado um elemento de mau agouro. Além disso, o enredo é pontuado pela tensão entre Badu e Silvino, com o boato de que Silvino teria planos de matar Badu.
Morrem oito vaqueiros naquela noite: Benevides, Silvino, Leofredo, Raymundão, Sinoca, Zé Grande, Tote e Sebastião. Major Saulo havia ficado para dormir na vila, não voltando com os vaqueiros, e João Manico, que alegou um resfriado, com medo de entrar nas águas, se salva também.
Sete-de-Ouros - animal miúdo e resignado, idoso, muito idoso, beiço inferior caído. Outros nomes que tivera ao longo de anos e amos: Brinquinho, Rolete, Chico-Chato e Capricho.
Major Saulo - corpulento, quase obeso, olhos verdes. Só com o olhar mandava um boi bravo se ir de castigo. Estava sempre rindo: riso grosso, quando irado; riso fino, quando alegre; riso mudo, de normal. Não sabia ler nem escrever, mas cada ano ia ganhando mais dinheiro, comprando mais gado e terras.
João Manico - vaqueiro pequeno que montou o burrinho Sete-de-Ouros na ida. Na volta, trocou de montaria. Na hora de entrar na água, refugou, alegando resfriado, e escapou da morte.
Francolim - espécie de secretário do Major Saulo, encarregado de pôr ordem nos vaqueiros. Obedece cegamente às ordens do Major. Foi salvo, na noite da enchente, pelo burrinho Sete-de-Ouros.
Raymundão - vaqueiro de confiança do Major Saulo. Enquanto tocam a boiada, vai contando a história do zebu Calundu.
Zé Grande - vai à frente da boiada, tocando o berrante.
Silvino - vaqueiro; perdeu a namorada para Badu e planejava matar o rival na volta, depois de deixarem a boiada no arraial.
Badu - vaqueiro apaixonado que escapa da água com o burrinho e de Silvino
Sim, é um conto, com enredo, personagens, tempo e espaço. Entretanto, a grande chave para a leitura dele é perceber os elementos poéticos que se fazem muito presentes e que se atravessam no desenrolar da história.
A primeira figura de linguagem é a prosopopéia ou personificação. O personagem principal é um burrinho velho. E, como tal, invoca o temperamento rabugento de um velho.
Outro elemento que parece personificado, como corpo (e como poesia) é a própria boiada.
São contadas, durante a ida, as seguintes histórias: sobre o zebu Calundu (enfrentou uma onça e a pôs para correr e matou Vadico, filho do fazendeiro Neco Borges, amanhecendo morto misteriosamente no dia seguinte); estouro da boiada que matou dois vaqueiros, quando Major Saulo era novo; e a história do tristonho pretinho de Goiás que acabou desaparecendo com a boiada.